sábado, 18 de janeiro de 2020

"My Take on The Oscars 2020": acerca dos Melhores Filmes de 2019


2020 começa com os nomeados para a 92.ª edição dos Óscares, anunciados esta semana. A pedido de colegas e alunos, na abertura de um fim de semana que promete ser de cinema, aqui ficam algumas curiosidades sobre os cinco filmes mais nomeados, juntamente com um exercício diferente: a comparação entre as escolhas da Academia de Hollywood e os rankings dos melhores filmes de 2019, de acordo com as mais conceituadas revistas de cinema, cujas escolhas decorrem da opinião dos melhores críticos da área.


Filme, Realizador (Nacionalidade)Nomeações
Joker, Todd Phillips (EUA)11
The Irishman, Martin Scorsese (EUA) 10
Once upon a Time... in Hollywood, Quentin Tarantino (EUA)10
1917, Sam Mendes (Inglaterra)10
Parasite, Bong Joon-ho (Coreia do Sul)6
Marriage Story, Noah Baumbach (EUA)6
Little Women, Greta Gerwig (EUA)6
Jojo Rabbit, Taika Waititi (Nova Zelândia)6

A negrito os realizadores nomeados para o Óscar de Melhor Realizador.


Joker, de Todd PhillipsVencedor do Leão d'Ouro, no Festival de Veneza. 9.º Melhor Filme do Ano para a IndieWire e para os Cahiers du Cinéma.

My take: O melhor do filme é Joaquin Phoenix, mas Joaquin já fora este nível de Joaquin em The Master (2012), de Paul Thomas Anderson: fisicamente disforme, mentalmente instável, personagem livre dos condicionalismos sociais. Joaquin é perfeito em ambos. O Óscar não chegou com Freddie Quell, mas Joaquin tem agora um joker, Arthur Fleck (apenas o Adam Driver de Marriage Story se lhe pode opor).
Para se entender Joker melhor, convém (re)ver dois filmes de Martin Scorsese, ambos com Robert De Niro: Taxi Driver (1976) e The King of Comedy (1982), sobretudo este último. O problema de Joker é que, amiúde, a homenagem a estes dois filmes é excessiva, um pastiche contínuo. É como se Todd Phillips respondesse "Yes, yes, yes!" à famosa pergunta de Travis Bickle (De Niro) em Taxi Driver: "You talkin' to me?" A título exemplificativo, seguem o trailer oficial de Joker e um outro, fan-made, de The King of Comedy, à maneira de Joker. Para quem já viu este último (ou ambos), as parecenças são evidentes: a obsessão pela fama e a falta de noção de si próprio, o superego maternal e a dificuldade de relacionamento com o Outro (feminino) - sobretudo, a diferença entre a realidade e o que se passa realmente.





The Irishman, de Martin Scorsese: 2.º Melhor Filme do Ano para a Film Comment e IndieWire; 3.º Melhor do Ano para a Sight & Sound; 10.º para os Cahiers du Cinéma.

My takeUm filme de Martin Scorsese com Robert De Niro, Joe Pesci e Al Pacino (primeira colaboração com Marty) só podia ser um clássico: esse é o destino de The Irishman, fresco sobre o funcionamento de várias das organizações norte-americanas mais poderosas no pós-Grande Guerra. Que, dos quatro, De Niro tenha sido o único ignorado pela Academia é um novo indecifrável mistério, tomando em consideração que o ator e respetiva personagem, omnipresentes, seja no ecrã seja como voice-over, carregam o peso emocional do filme.
De Niro, que está nas margens de Joker, é o centro de outras várias obras de Scorsese, como os já mencionados Taxi Driver ou The King of Comedy. Depois de Raging Bull (1980) e Casino (1995), De Niro volta a trabalhar com Scorsese e Joe Pesci, na sua quarta colaboração conjunta. O outro filme é o que mais importa aqui, em diálogo com The Irishman: Goodfellas (1990), o insigne Tudo Bons Rapazes, na versão portuguesa. Goodfellas é The Irishman do outro lado do espelho: se o primeiro é veloz e voraz, este último é mais pausado, como convém - é um filme sobre a traição e sobre a nossa voz interior que impede o nosso profundo silêncio. Se, em Goodfellas, o narrador autodiegético, Henry Hill (Ray Liotta), conta tudo em tribunal, em The Irishman, Frank Sheeran (Robert De Niro) não conta a sua vida de crime à polícia, mas conta-no-la a nós. Enquanto que, no final, a amargura de Henry, que bufa os seus comparsas, passa por levar uma vida de tédio por ser um homem no Programa de Proteção de Testemunhas, depois de uma vida de frenesim (daí o ritmo alucinante de Goodfellas), a de Frank é a do remorso silencioso pelo seu envolvimento no desaparecimento de Jimmy Hoffa (Al Pacino). O silêncio de Frank, que nem ao padre confessa tudo, é, em certa medida, o Silêncio (2016) do padre jesuíta português Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) do anterior filme de Scorsese.



Once Upon a Time... in Hollywood, de Quentin Tarantino: 3.º Melhor Filme do Ano para a Film Comment; 4.º Melhor do Ano para a Sight & Sound e IndieWire.

My take: Tarantino fecha (ou continua?) a sua trilogia de filmes pós-modernos sobre a reescrita da História. Depois de reescrever o final da II Grande Guerra em Inglourious Basterds (2009), com a morte de Hitler sob o poder judeu, e de possibilitar ao negro americano a vingança sobre os esclavagistas do século XIX nos E. U. A. em Django Unchained (2012), Tarantino visita os Manson Murders que assombraram Hollywood em 1969. É um novo tema delicado: castigará Tarantino o pérfido Charles Manson e a sua Família, composta sobretudo de jovens mulheres, num tempo como o de hoje em que as mulheres de Hollywood denunciam o abuso do poder masculino? Tarantino sabe que estas raparigas não são as vítimas de hoje. E sabe também como Hollywood funciona: Hollywood adora Hollywood e adora que falem de si!
Once Upon a Time... in Hollywood (o título é, em primeira instância, um louvor a um dos realizadores prediletos de Tarantino, o italiano Sergio Leone, realizador de Once Upon a Time in the West (1968) e Once Upon a Time in America (1984), outro filme com De Niro, já agora) é sobre a luta de quem trabalha em Hollywood, neste caso, o par Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt). O casting é excelente, pois duas super-estrelas das últimas décadas desempenham o papel de dois homens, ator e o seu duplo, quase sem lugar no meio. Curiosamente, o 9.º filme de Tarantino, que revisita toda a sua carreira neste, aproxima-se de um dos seus menos conhecidos, Death Proof (2007), sobre um outro duplo, Stuntman Mike (Kurt Russell), que persegue mulheres e acaba perseguido por elas, que também trabalham na TV/cinema. Em Once Upon a Time interessa principalmente a genuína relação de amizade entre Rick e Cliff. Com exceção de Jackie Brown (Pam Grier) e Max Cherry (Robert Forster) em Jackie Brown (1997), outro filme com De Niro, Quentin Tarantino nunca havia criado personagens pelas quais sentimos tanta empat(h)ia, uma das mais poderosas poções do cinema que comummente falta nos seus filmes. Neste, QT canta a Hollywood, como os Delfonics: "I gave my heart and soul to you, girl. / Didn't I do it, baby, didn't I do it, baby?"




1917, de Sam MendesInfelizmente, 1917 não entrou nas contas de muitos críticos, dado que o filme estreou apenas este ano (em Portugal, na próxima quinta-feira, dia 23 de janeiro). Todavia, alguns críticos ainda viram o filme no final de 2019, daí surgir na lista da IndieWire. Por razões óbvias, é o único filme desta lista de cinco que ainda não vimos.

My take: Sam Mendes é o realizador de American Beauty (1999), drama de fim shakespeareano, vencedor de cinco Óscares, incluindo Melhor Filme e Realizador. Mendes é também o realizador de Revolutionary Road (2008), com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, o anti-Titanic de que ambos precisavam. O realizador britânico regressa ao cenário de guerra depois de Jarhead (2005), com Jake Gyllenhall e Jamie Foxx, mas desta vez o cenário não é a Guerra do Golfo, mas a I Grande Guerra.
1917 é seguramente um excelente exercício técnico, desde logo porque todo o filme é feito, pelo que tem sido publicitado, num único plano-sequência, sem cortes. Duas horas nisto, em cenário de guerra! Não será o caso nem é a primeira vez na História do Cinema, mas anda lá perto: por exemplo, Rope (1948), de Alfred Hitchcock, ou mesmo Birdman (2014), do mexicano Alejando G. Iñárritu, tentam o feito, mas a experiência mais imaculada ocorre com A Arca Russa (2002), de Aleksandr Sokurov, no Museu Hermitage, em São Petersburgo, que conta a História da Rússia em quase 100 minutos. Sam Mendes, por certo entediado pelos constrangimentos dos filmes Bond, já havia apurado a técnica na abertura de Spectre (2015).




Parasite, de Bong Joon-ho: Vencedor da Palma d'Ouro, no Festival de Cannes. Melhor Filme do Ano para a Film Comment e IndieWire; 2.º Melhor do Ano para a Sight & Sound e para os Cahiers du Cinéma. Sucintamente, o Melhor Filme de 2019, de forma quase consensual. Subscrevemos esta escolha.

My take: Para quem não conhece o cinema asiático ou em particular o cinema sul-coreano, Parasite é uma excelente porta de entrada. A metáfora serve para retratar a trama do filme: aos poucos, uma família pobre de Seul, que vive numa cave, passa a fazer parte de uma casa de uma família rica, que vive num ponto alto da cidade. Para entrar na própria casa, quase uma das personagens maiores do filme, é preciso subir ainda mais, mas os parasitas são resistentes! Resistentes e surpreendentes, como todos os filmes de Bong Joon-ho, que uma vez mais (The Host, Snowpiercer, por exemplo) ilustra o que separa quem está em cima e em baixo (ou à frente e atrás, como em Snowpiercer) na sociedade sul-coreana e, em larga escala, em muitos cantos do mundo. Essa é uma das razões do sucesso internacional do filme, nomeadamente no mundo ocidental, onde família, ambição e frustração são elos fundos que nos (des)unem.
Com Bong Joon-ho, ninguém está moralmente num nível superior. Ninguém está a salvo, nem o próprio espectador, atacado num só filme com splashes de ação, comédia, drama, suspense. Neste sentido, Parasite é mesmo um filme completo, ao qual pouco falta: as representações são estupendas (Song Kang-ho lidera um elenco impecável), a fotografia luminosa, o enredo uma matrioska coreana. Parasite não deve, pois, ser visto como o elemento surpresa nos Óscares; a surpresa é que apenas agora Hollywood tenha reparado no que de melhor se faz pelo mundo fora. Será surpreendente que um outro filme coreano que aborda a tensão misteriosa entre o rico e o pobre, Burning (2018), de Lee Chang-dong, seja o filme mais aclamado/pontuado pela crítica a sair do Festival de Cannes nos últimos anos? 




Bom fim de semana; bom cinema!

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